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O dia que comi lentilha pela primeira vez
Eu não tenho nenhuma formação acadêmica e por isso estava pensando em cursar Administração de Empresas para ter um diploma e trabalhar na área. Foi quando me dei conta de que talvez eu não goste e muito menos me identifique com a profissão. Tentei imaginar como seria e cada vez que penso, percebo que não é a minha cara.
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Talvez o meu desejo é de fazer faculdade para ter um diploma, para ser respeitada pelo título, pela pós que vou fazer e até mesmo para agradar os outros. Afinal de contas, a sociedade meio que exige isso de você, ou você é um nada. Basicamente, você não tem valor para o mercado de trabalho.
Refletindo sobre isso, eu lembrei da primeira vez que eu comi lentilha na minha vida. Você pode imaginar o que uma coisa tem a ver com a outra. Mas calma, eu vou explicar!
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Acredito que eu estava cursando a sétima série do Ensino Fundamental, minha amiga me convidou para ir à casa dela fazer um trabalho escolar, e não sei como, minha mãe deixou.
Lembro de chegar e ver a mesa arrumada para o almoço, a mãe dela estava trazendo o restante da comida para a mesa. Nos sentamos e almoçamos. Nunca tinha comido lentilha na minha vida, para mim era apenas um prato que ilustrava a história bíblica de Esaú e Jacó.
Dentro de mim, aquela cena, não fazia sentido. Fiz algumas perguntas para minha amiga sobre a família, o trabalho do pai, sobre a mãe dela estar em casa, esse tipo de coisa. Fizemos o que tínhamos que fazer e foi isso.
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Hoje eu consigo compreender porque aquela cena nunca saiu da minha mente. Eu nunca fui recebida pela minha mãe após a escola com o almoço na mesa. Me dei conta de que mesmo sem querer desejei aquela realidade para mim.
Nossa realidade era bem diferente
Minha mãe trabalhava de segunda a sexta, e como uma excelente professora que era, sempre tinha trabalho para trazer para casa, provas para corrigir, planos de aula para fazer, etc. Além disso, no sábado, era voluntária no grupo da igreja que eu participava.
Ela sozinha e com duas filhas para conquistar um telefone fixo (que naquela época era o olho da cara) trabalhou durante as férias escolares do fim do ano. Quando eu tinha 15 anos ela conseguiu comprar nosso primeiro carro. Andamos muito de ônibus até então, a pé também, sei que ela fez muitos sacrifícios e que tudo que conquistou foi suando a camisa. Eu a admiro por tudo que ela fez e faz! Dona de uma força extraordinária e de muita garra!
Mas quando a escola dos meus filhos me ligam dizendo que as crianças não estão bem, seja com febre, enjoadas, etc… Cara, isso me quebra! Eu sei que eles precisam ligar, eu sei que eles precisam avisar, eu sei que eu preciso cuidar deles, eu sou a mãe deles e esse é o meu papel! EU SEI!
Aquele prato de lentilha…
Entretanto, não tenho como negar que aquele prato de lentilha mexeu comigo na infância. Eu, inconscientemente, desejei aquela vida para mim, em que eu poderia estar em casa para receber meus filhos, ajudá-los na tarefa escolar e estar presente nas suas aflições, poder conversar durante a tarde, ensinar a fazer um bolo ou brincar de bola. Não importa, eu desejei estar com eles no período que eu hoje não estou.
Recentemente minha mãe comentou comigo, que eu tinha ciúmes da escola dela e de algumas pessoas, e eu percebo que ela estava coberta de razão, eu tinha ciúmes. Eu queria ela para mim, eu queria poder conversar com ela como se ela fosse minha amiga. Nenhuma amizade se constrói conversando meia hora por dia. Amizade é fortalecida pelo tempo e não importa se é a mãe ou pai, não tem como você comprar isso, esse vínculo é criado ao longo dos anos.
Percebo que damos tanto valor aos primeiros anos da vida dos filhos, aos primeiros passos e palavras e estar com eles nessa fase é muito bom e um momento tão único.
Eles crescem e já não é necessário colocar a comida na boca deles, e parece que tudo está tranquilo e que agora eles podem se virar sozinhos. Mas acredito que nessa fase seja tão ou mais importante que a primeira infância, porque é quando a criança começa a ter conflitos internos, ter amigos e a opinião dos amigos podem ou não machucá-lo e aquela criança agora precisa se encaixar no mundo.
Depois vem a adolescência e supostamente, nessa fase nós devemos ser os melhores amigos dos nossos filhos para entender os dilemas que eles passam. Mas como criar uma relação que não existia antes? É preciso cultivar, como aquele ditado diz: Quem planta, colhe!
Lembrar da primeira vez que comi lentilha fez perceber a minha verdadeira vocação: Ser mãe. As pessoas me falam que eu nasci mesmo para isso, como se fosse algo incrível, algo extinto, algo extraordinário.
Mas de de que adianta ter uma profissão se você não pode seguir com sua vocação? Ainda procurando uma resposta para essa pergunta que teima em se esconder.
Esse texto não tem como objetivo desmerecer ninguém, muito menos os estudos. É apenas um desabafo…
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De uma coisa eu tenho certeza que aquele prato de lentilha me ensinou: tem coisas que o dinheiro não compra e que a felicidade pode estar nas coisas mais simples do dia a dia como um almoço em família.
Sou uma mulher que acredita em Deus desde criança. Sempre sonhei em casar e ter filhos. Sou esposa e mãe, apaixonada por leitura e culinária. Founder do Mamãe & Cia.
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